Mais uma situação desinteressante da minha primária
Na primária era permitido que levássemos brinquedos para a escola e para o ATL que ficava no mesmo recinto que a escola, por isso todos nós levávamos CDs para ouvir na aparelhagem, Gameboys, entre outros.
Um dia levei o meu telemóvel da Polly Pocket. Era cor-de-rosa e quando o abria ao meio transformava-se numa casinha para duas bonecas. No mesmo dia uma colega levou um brinquedo igual, com a diferença de que o dela tinha riscos no visor e estava no geral em pior estado. Brincámos com os telemóveis juntamente com as outras colegas até que à tarde, no ATL, a miúda diz que o telemóvel sem riscos era dela. Discutimos, eu dizia que era meu, ela dizia que era dela, naturalmente. Para além disso, uma outra colega com a qual eu às vezes tinha umas divergências apoiou a rapariga e disse que realmente, o telemóvel em melhor estado não era meu. Pior que isso: a miúda tinha comprado o brinquedo dela há menos tempo que eu, logo faria sentido se o mais estragado me pertencesse para aqueles que não sabiam que eu sempre estimei bem todos os meus brinquedos – aliás, hoje passados quase 10 anos continuam ali na prateleira intactos para a minha irmã brincar.
Ali, naquela sala com as raparigas a fazerem uma espécie de frente maligna contra mim, pensei nas hipóteses de recuperar o telemóvel. Se a minha mãe chegasse primeiro que a mãe da minha colega iria ficar com o brinquedo e a minha mãe ia sempre buscar-me às 16h nos dias de natação. Constatei, como se constatasse uma fatalidade que infelizmente não era dia de natação e nos outros dias a mãe da tal rapariga ia sempre buscá-la mais cedo que a minha.
Do outro canto da sala vi a senhora chegar, pegar na filha e no meu telemóvel. Tenho uma vaga de ideia de falarem comigo, lembro-me de me desfazer em lágrimas.
Contei a situação à minha mãe. Ela repreendeu-me por ter chorado, porque “a chorar não resolvemos nada” e disse que ao chorar tinha perdido toda a razão. Não fazia ideia dessa “norma”, mas acartei o que me tinha dito, sem ripostar. Tinha perdido a razão, não voltaria a chorar em frente a ninguém. Na altura tinha ainda uma esperança, a de ir ao quarto dela, numa festa de anos por exemplo, e de recuperar o meu telemóvel e deixar ficar o dela. Aliás, confesso que quando há dois ou três anos ela descobriu o meu email e me convidou para ir à sua casa essa ideia me passou pela cabeça.
Mais do que um telemóvel que não era meu, esta situação deixou-me com uma (pequena) experiência do que é sentirmo-nos injustiçados e impotentes e é uma das recordações mais fortes que guardo da infância. Há pouco tempo contei tudo de novo à minha mãe, desta vez sem lágrimas à mistura e ela disse-me que nunca pensou no impacto que isto teve e que se soubesse teria feito alguma coisa na altura.
No final acho que não guardei qualquer rancor à rapariga. Ok, na altura senti inveja dela por dançar e cantar bem, por nos dizerem que ela era uma pessoa “sensível” e que devíamos ter um cuidado redobrado com ela, por ter ténis cor-de-rosa, por ter montes de CD que herdava do irmão mais velho, por no 5º ano ter ido para a escola do rapazinho de quem eu “gostava”. Mas o que guardo dela é mais o sorriso quando lhe faltavam os dentinhos de leite, as nossas canções no meu gravador e as vezes em que ela deixava a tocar na aparelhagem uma música dos Cartoons que me fazia saltitar.